terça-feira, 28 de outubro de 2014

# 206



retirar-se não é fugir; nem no esperar vai prova de sisudeza quando a coisa é mais perigosa que bem figurada. Próprio dos sábios é o pouparem-se de hoje para amanhã;


Miguel de Cervantes - D. Quixote de La Mancha

#205



Sempre, Sancho, ouvi dizer que fazer bem a vilões é deitar água no mar.


Miguel de Cervantes - D. Quixote de La Mancha

# 204




dura coisa me parece o fazerem-se escravos indivíduos, que Deus e a Natureza fizeram livres; (...) e não é bem que os homens honrados se façam verdugos dos seus semelhantes, demais sem proveito.


Miguel de Cervantes - D. Quixote de La Mancha

domingo, 26 de outubro de 2014

# 203



sei muito bem não haver no mundo feitiços que possam mover e forçar as vontades, como cuidam alguns palermas; o alvedrio da pessoa é livre, e não há erva nem encanto que o obrigue.


Miguel de Cervantes - D. Quixote de La Mancha

terça-feira, 21 de outubro de 2014

# 202



A nossa recordação substitui lentamente a realidade. Como acontece com os fósseis (...) Do mesmo modo que as partículas minerais enchem a forma de um corpo que já apodreceu, uma espécie de molde de cera


John Updike - Procurai a Minha Face

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

# 201



É aqui que trabalhamos, nos interstícios da ignorância, na terra da contradição e do silêncio, e que tentamos convencer-vos com aquilo que aparentemente é conhecido. Resolver - ou tornar útil e viva - a contradição e tornar o silêncio eloquente.


Julian Barnes - Nada a Temer

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

# 200



Lembro-me de ficar surpreendido quando soube que as células do meu corpo não duravam a vida inteira e se renovavam regularmente (...) Não conhecia ao certo a frequência com que tais transformações ocorriam, mas o conhecimento da renovação celular dava azo a piadas do género: "Ela já não era a mulher por quem ele se apaixonara." Não me pareceu nada que fosse motivo para pânico: ao fim e ao cabo, os meus pais e avós deviam ter passado por uma, ou talvez duas, dessas renovações, e pareciam não ter sofrido qualquer fractura sísmica; a verdade é que continuavam a ser excessiva e inabalavelmente eles próprios. Não me lembro de pensar que o cérebro fazia parte do corpo e que, portanto, os mesmos princípios se lhe aplicavam. Poderia ter pendido um pouco mais para o pânico se tivesse descoberto que a estrutura básica e molecular do cérebro, longe de se renovar prudentemente quando e à medida que surge a necessidade, é de facto incrivelmente instável; que as gorduras e as proteínas se desagregam quase no instante em que são feitas; que cada molécula ao redor de uma sinapse é substituída de hora a hora e algumas de minuto a minuto. Que, efectivamente, o cérebro que tínhamos no ano passado terá sido reconstituído muitas vezes até agora.


Julian Barnes - Nada a Temer

# 199



Sei que ser filho de alguém implica ao mesmo tempo uma sensação de familiaridade nauseante e grandes áreas interditas de desconhecimento


Julian Barnes - Nada a Temer

# 198



pertenciam à geração que os dentistas aconselhavam a tirar todos os dentes duma assentada. Era um ritual de passagem comum nesse tempo: saltavam da dentição fraca para a porcelana total e para os estalidos e deslizes bucais, para o constrangimento social e para o copo com espuma na mesa-de-cabeceira.


Julian Barnes - Nada a Temer

domingo, 12 de outubro de 2014

# 197



um dos efeitos do medo é turvar os sentidos e fazer que pareçam as coisas outras do que são.



Miguel de Cervantes - D. Quixote de La Mancha

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

# 196



a mim muitas vezes me tem acontecido sonhar que caía de uma torre abaixo, e não acabava nunca de chegar ao chão; e quando despertava do sonho, achava-me tão moída e quebrantada, como se tivesse caído deveras.


Miguel de Cervantes - D. Quixote de La Mancha

# 195



As feridas que nas batalhas se recebem antes dão honra do que a tiram


Miguel de Cervantes - D. Quixote de La Mancha

sábado, 4 de outubro de 2014

# 194



A arte, jogo muito sério, como o das crianças, liberta da servil sujeição ao peso da realidade e ensina a criatividade que é sobretudo livre construção da própria pessoa.


Claudio Magris - Alfabetos

# 193



Não há encanto sem consciência e não há consciência sem melancolia.


Claudio Magris - Alfabetos

# 192



Nenhuma vida e nenhuma poesia de vida podem ignorar a melancolia, a caducidade do tempo que passa, aquilo que sempre faz falta em toda a felicidade e em todo o amor, mesmo feliz, o corromper das coisas e dos sentimentos, mesmo os mais puros, o desencanto, o incessante alterar-se e esvanecer-se.


Claudio Magris - Alfabetos