sexta-feira, 27 de março de 2015

# 221


Talvez seja verdade que tudo pode mudar num dia. Que umas escassas dúzias de horas podem afectar o curso de toda uma vida. E que, quando assim acontece, essas poucas dúzias de horas, como os despojos de uma casa queimada - o relógio carbonizado, a fotografia chamuscada, a mobília ardida - têm de ser ressuscitadas das ruínas e examinadas. Conservadas. Explicadas.
Pequenos acontecimentos, coisas vulgares, destruídas e reconstituídas. Investidas de novo significado. Subitamente tornam-se nos ossos descorados de uma história.

Arundhati Roy - O Deus das Pequenas Coisas

quarta-feira, 25 de março de 2015

# 220

Na sua mocidade, Stoner imaginara o amor como um estado absoluto do ser ao qual uma pessoa, se tivesse sorte, podia aceder um dia; na idade adulta, decidira que era o paraíso de uma falsa religião, que uma pessoa devia encarar com uma divertida incredulidade, um suave desprezo familiar e uma nostalgia embaraçada. Agora, na meia-idade, começava a perceber que não era nem um estado de graça, nem uma ilusão; via-o como um acto humano de transformação, uma condição que era inventada e alterada de momento para momento e de dia para dia, através da vontade, da inteligência e do coração.

John Williams - Stoner

# 219


No seu quadragésimo terceiro ano de vida, William Stoner aprendeu o que outros, muito mais jovens do que ele, tinham aprendido antes de si: que a pessoa que amamos no início não é a mesma pessoa que amamos no fim, e que o amor não é uma meta e sim um processo através do qual uma pessoa tenta conhecer outra.

John Williams - Stoner