quinta-feira, 27 de julho de 2017

# 348



o sono mais perfeito está quase forçosamente ligado ao amor: repouso meditado, reflectido em dois corpos.


Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano

sexta-feira, 21 de julho de 2017

# 347


O amador de beleza acaba por encontrá-la em toda a parte.


Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano

# 346


O desejo de conhecer exactamente as riquezas que cada amor nos traz, de o ver mudar, talvez de o ver envelhecer, concilia-se mal com a multiplicidade das conquistas

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano

# 345



A técnica do grande sedutor exige, na passagem de um objecto a outro, uma facilidade, uma indiferença, que eu não tenho relativamente a eles

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano

terça-feira, 11 de julho de 2017

# 344


Pensei várias vezes em elaborar um sistema de conhecimento humano baseado no erótico, uma teoria do contacto, em que o mistério e a dignidade de outrem consistiria precisamente em oferecer ao Eu esse ponto de apoio de um outro mundo. A voluptuosidade seria, nessa filosofia, uma forma mais completa, mas também mais especializada, dessa aproximação ao Outro, mais uma técnica posta ao serviço do conhecimento daquilo que não somos nós. Nos encontros, mesmo os menos sensuais, é ainda no contacto que a emoção se completa ou nasce (...) As próprias relações intelectuais ou aos mais neutras ocorrem através desse sistema de sinais do corpo

(...)

Com a maior parte dos seres, os mais ligeiros, os mais superficiais desses contactos bastam ao nosso desejo, ou mesmo já o excedem. Que eles insistam, se multipliquem em volta de uma única criatura até a cativar completamente; que cada parcela de um corpo assuma para nós tantas significações perturbantes como os traços de uma fisionomia; que um único ser, em vez de nos inspirar quando muito irritação, prazer ou aborrecimento, nos obsidie como uma música ou nos atormente como um problema; que ele passe da periferia do nosso universo ao seu centro, se nos torne, enfim, mais indispensável que nós próprios, e o espantoso prodígio realiza-se, no que eu vejo mais uma invasão da carne pelo espírito do que um simples jogo da carne.

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano

# 343



Os cínicos e os moralistas estão de acordo quanto a colocar as voluptuosidades do amor entre os prazeres ditos grosseiros, entre o prazer de beber e o prazer de comer, declarando-os, contudo, visto que asseguram poder viver-se sem eles, menos indispensáveis que os outros. Dos moralistas espero tudo, mas espanta-me que o cínico se engane nesse ponto. Admitamos que uns e outros tenham medo dos seus demónios, quer lhes resistam, quer se lhes abandonem, e se esforcem por aviltar o seu prazer, a fim de lhe retirar o poder quase terrível, ao qual sucumbem, e ao seu estranho mistério, em que se sentem perdidos. Acreditaria nesta assimilação do amor às alegrias puramente físicas (supondo que existem) no dia em que visse um apreciador de bons petiscos soluçar de delícia diante do seu prato favorito, como um amante encostado a um ombro juvenil. De todos os nossos jogos é o único que pode perturbar a alma, o único também em que o jogador se abandona necessariamente ao delírio do corpo. Não é preciso que o bebedor abdique da sua razão, mas o amante que conserva a sua não obedece até ao fim ao seu deus. Em toda a parte a abstinência ou o excesso não aliciam senão o homem só: salvo no caso de Diógenes, cujas limitações e carácter de racional pessimista se evidenciam por si próprios, todo o procedimento sensual nos coloca em presença do Outro, nos implica nas exigências e nas servidões da escolha. Não conheço outra em que o homem se resolva por razões mais simples e inelutáveis, em que o objecto escolhido seja avaliado mais exactamente pelo seu peso bruto de delícias, em que o amador de verdades tenha mais possibilidades de julgar a criatura nua. A partir de um despojamento que se iguala ao da morte, de uma humildade que ultrapassa a da derrota e da prece, fico maravilhado ao ver renova-se sempre a complexidade das recusas, das responsabilidades, dos factores, das pobres confissões, das frágeis mentiras, dos compromissos apaixonados entre o meu prazer e o do Outro, tantos laços que é impossível quebrar e contudo tão depressa desfeitos. Este jogo misterioso que vai do amor de um corpo ao amor de uma pessoa pareceu-me suficientemente belo para lhe dedicar uma parte da minha vida. As palavras enganam, visto que esta - prazer - esconde realidades contraditórias, comporta ao mesmo tempo as noções de tepidez, doçura, intimidade de corpos, e as de violência, agonia e grito . A pequena frase de Possidónio sobre o atrito de duas parcelas de carne, que te vi copiar nos teus cadernos escolares com uma aplicação de menino ajuizado, não define o fenómeno do amor, assim como a corda que o dedo faz vibrar se não apercebe do milagre dos sons. Esta frase insulta menos a voluptuosidade que a própria carne - instrumento de músculos, de sangue e de epiderme, essa nuvem vermelha cujo relâmpago é a alma.
E confesso que a razão fica confundida perante o prodígio do amor, da estranha obsessão que faz que esta mesma carne, que tão pouco nos preocupa quando compõe o nosso próprio corpo, limitando-nos a lavá-la, a alimentá-la e, se possível, a impedi-la de sofrer, possa inspirar uma tal paixão de carícias simplesmente porque é animada por uma individualidade diferente da nossa e porque representa certos lineamentos de beleza sobre os quais, aliás, os melhores juízes não estão de acordo. Aqui, a lógica humana fica aquém, como nas revelações dos Mistérios. A tradição popular não se enganou ao ver sempre no amor uma forma de iniciação, um dos pontos em que o secreto e o sagrado se encontram. A experiência sensual compara-se ainda aos Mistérios, na medida em que a primeira aproximação dá ao não iniciado a impressão de um rito mais ou menos assustador, escandalosamente afastado das funções familiares de dormir, de beber e de comer, motivo de brincadeira, de vergonha ou de terror. Tanto como a dança das Ménades ou o delírio dos Coríbantes, o nosso amor arrasta-nos para um universo diferente, onde, noutros tempos, nos era interdito entrar e onde deixamos de nos orientar desde que o ardor se extingue ou que o prazer se desenlaça.


Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano

segunda-feira, 10 de julho de 2017

# 342



tu e eu somos dois seres absolutamente incomunicáveis entre si a não ser pelos sentidos e pela palavra, coisas das quais se deve desconfiar quando somos pessoas sérias.

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

# 341


A verdade é que nós somos como uma comédia quando uma pessoa chega ao teatro no segundo acto. É tudo muito bonito, mas não se compreende nada

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

# 340



faço coisas que me tiram um pouco o mau gosto do vazio

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

# 339



o homem apenas parece seguro naqueles terrenos que o tocam profundamente: quando joga, quando conquista, quando constrói as suas várias carapaças históricas à base de ethos, quando acerta contas com o mistério central através de alguma revelação. E por cima e por baixo disso está a curiosa noção de que a ferramenta principal, o logos que nos arranca vertiginosamente da escala zoológica, é uma completa fraude, e o corolário inevitável é o refúgio no difuso e no balbuceio, a noite escura da alma, as visões estéticas e metafísicas

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

# 338


Pobre do amor que se alimenta do pensamento.

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

# 337



Se falamos de amor, falamos de sexualidade. O contrário já não é bem assim. Mas parece-me que a sexualidade não é a mesma coisa que o sexo.

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

# 336



Suponho que andamos à procura de qualquer coisa (...) mas somos enganados ou enganamo-nos quase sempre.

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)