sexta-feira, 5 de julho de 2019
# 446
A viagem imaginária não se limita a permitir que o viajante permaneça em casa; o lugar de exploração também pode estar contido num espaço microcósmico. O seu âmbito é o universo é mais além, mas também (...) o próprio lugar onde nos encontramos: a nossa mente, o nosso corpo, o nosso quarto, a nossa casa, tudo o que parece impossibilitar a viagem porque nos contém, porque nos limita, como a nossa pele. Hamlet exclama: "Eu podia estar fechado numa casca de noz e sentir-me rei de um espaço infindo." Hamlet tem razão: o lugar onde nos encontramos é, como qualquer espaço, infinito. Uma sucessão de vidas não seria suficiente para o explorar.
(...) Xavier de Maistre tentou parodiar as grandes narrativas de viagens do século XVIII contando a exploração do seu próprio quarto na prisão de Turim (...) Ignorava que Kafka escreveria um dia "Toda a gente transporta um quarto dentro de si", mas intuiu a afirmação de Kafka e propôs-se analisá-la. A sua obra (...) explora no decurso de seis longas semanas, o espaço delimitado por quatro paredes da cela onde está encarcerado, e elogia este tipo de viagem, por não custar dinheiro.
(...)
Segundo uma lei científica, não podemos observar o local de onde fazemos uma observação: por consequência, é como se só aquilo que estamos mais convictos de conhecer - o nosso chez nous - fosse inexplorável. De Maistre demonstra que é exactamente o contrário.
Alberto Manguel - Diccionário de Lugares Imaginários
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