sexta-feira, 1 de setembro de 2023

# 567

 

A memória só conta realmente - para os indivíduos, para as coletividades ou para as civilizações - se tiver ao mesmo tempo a marca do passado e o projeto de futuro 


Porquê Ler os Clássicos?  - Italo Calvino 

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

# 566

 

O encanto, a variedade, a beleza da vida provêm precisamente das oposições de luz e sombra.


Lev Tolstoi - Ana Karenina 

domingo, 27 de agosto de 2023

# 565

 

existe na actividade humana um limite entre os fenómenos psíquicos e os fenómenos fisiológicos? E onde se encontra esse limite?


Lev Tolstoi - Ana Karenina 

# 564

 

As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são-no cada uma à sua maneira.


Ana Karenina - Lev Tolstoi 

# 563

 

ler os clássicos parece estar em contradição com o nosso ritmo de vida, que não conhece tempos longos


Porquê Ler os Clássicos - Italo Calvino

# 562

 

A atualidade pode ser banal e mortificante, mas não deixa de ser um ponto em que devemos situar-nos para olhar em frente ou para trás. Para se poder ler os clássicos, deve-se também determinar “donde” estamos a lê-los, senão tanto o livro como o leitor perdem-se numa nuvem sem tempo. É por isso que tira o máximo rendimento da leitura dos clássicos quem souber alternar com ela a sapiente dosagem da leitura de atualidades.


Porquê Ler os Clássicos - Italo Calvino 

# 561

 

É só nas leituras desinteressadas que pode suceder esbarrarmos num livro que se torna o “nosso” livro.


Porquê Ler os Clássicos - Italo Calvino 

# 560

 

Se não der faísca, não há nada a fazer: não se lêem os clássicos por dever ou respeito, mas só por amor.


Porquê Ler os Clássicos - Italo Calvino 

# 559

 

Os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados, e inéditos ao lê-los de facto.


Porquê Ler os Clássicos? - Italo Calvino 

# 558

 

Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma vaga de discursos críticos sobre si, mas que continuamente se livra deles.


Porquê Ler os Clássicos? - Italo Calvino 

# 557

 

Os clássicos são os livros que nos chegam trazendo em si a marca das leituras que antecederam a nossa e atrás de si a marca que deixaram na cultura ou culturas que atravessaram


Porquê Ler os Clássicos? - Italo Calvino 

# 556

 

De um clássico toda a releitura é uma leitura de descoberta igual à primeira.


Porquê Ler os Clássicos?  - Italo Calvino 

#555

 

deveria haver uma época na vida adulta destinada a revisitar as leituras mais importantes da juventude. 


Porquê Ler os Clássicos?  - Italo Calvino 

sábado, 26 de agosto de 2023

# 554

 

as leituras da juventude podem ser pouco profícuas por impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (se calhar ao mesmo tempo) formativas no sentido de darem uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, conteúdos, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: tudo coisas que continuam a agir mesmo que do livro lido na juventude se recorde pouquíssimo ou mesmo nada. 


Porquê Ler os Clássicos? - Italo Calvino 

# 553

 

ler pela primeira vez um grande livro em idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer que é maior ou menor) do que se tem ao lê-lo na juventude.


Porquê Ler os Clássicos? - Italo Calvino 

# 552

 

por mais vastas que possam ser as leituras “de formação” de um indivíduo, fica sempre um número enorme de obras fundamentais que não se leu.


Porquê Ler os Clássicos? - Italo Calvino 

# 551

 

Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer.


Porquê Ler os Clássicos? - Italo Calvino 

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

# 550

 

O facto de um livro não existir (ou ainda não existir) não é razão para o ignorar, assim como não ignoraríamos um livro sobre um tópico imaginário.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

# 549

 

Como séculos de ditadores bem sabem, uma multidão de analfabetos é mais fácil de governar; já que a capacidade de ler não pode ser desaprendida uma vez adquirida, uma solução, à falta de melhor, é limitar-lhe o âmbito de aplicação. 

(…)

Os livros, escreveu Voltaire, num panfleto satírico intitulado “Sobre o Horrível Perigo da Leitura”, dissipam a ignorância, que é a custódia e salvaguarda dos Estados bem policiados. Por conseguinte, a censura, de uma forma ou de outra, é o corolário de todo o poder, e a história da leitura está iluminada por uma fila aparentemente interminável de fogueiras de censores, dos primeiros rolos de papiro aos livros do nosso tempo.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

domingo, 20 de agosto de 2023

# 548

 

qualquer tradução bem sucedida é obrigatoriamente diferente do original, visto que parte do princípio de que o texto original é algo já digerido, despojado da sua frágil ambiguidade, interpretado. É na tradução que a inocência perdida após a primeira leitura se restaura sob outra forma, visto que o leitor é mais uma vez posto perante um novo texto e o seu mistério concomitante. É este o inescapável paradoxo da tradução e também a sua riqueza.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 547

 

Para além do sentido literal e da significação literária, o texto que lemos adquire a projecção da nossa própria experiência, a sombra, por assim dizer, de quem somos.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 546

 

cada livro resulta de uma longa sucessão de outros livros cujas capas talvez nunca vejamos e cujos autores talvez jamais conheçamos, mas que são ecoados neste livro que temos nas mãos.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 545

 

O sentido é muitas vezes ditado pela língua que se utiliza. Algo é dito não porque o autor decidiu dizê-lo de uma determinada forma, mas porque naquela língua específica é necessária uma certa sequência de palavras para obter um sentido, uma certa melodia é considerada agradável, certas construções são rejeitadas como cacofónicas, têm um duplo sentido ou parecem ter caído em desuso. Todos os atributos em voga da linguagem conspiram para privilegiar um agrupamento de palavras em detrimento de outro.

(…) A tradução é o acto supremo de compreensão. Para Rilke, o leitor que lê para traduzir envolve-se no “processo mais puro” de perguntas e respostas, através do qual a mais inapreensível das noções, a significação literária, é respigada. Respigada, mas nunca tornada explícita, porque, na alquimia particular deste tipo de leitura, a significação imediatamente se transforma num outro texto equivalente. E a significação do poeta progride de palavras em palavras, numa metamorfose de uma língua para outra.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 544

 

Ao ser lido perante uma audiência, um texto não é exclusivamente determinado pela relação entre as suas características intrínsecas e as do seu público arbitrário e sempre diferente, visto que os membros desse público deixam de ter a liberdade (como leitores normais teriam) de voltar atrás, reler, deter-se e dar ao texto a sua própria entoação conotativa. O público passa a depender do autor-intérprete, que assume o papel de leitor de leitores, uma encarnação abusiva de todos e cada um dos membros da audiência cativa a quem se destina a sessão de leitura, ensinando-os a ler.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 543

 

O acto de ler estabelece uma relação física íntima, na qual todos os sentidos participam: os olhos vêem as palavras na página; os ouvidos ecoam os sons lidos; o nariz inala o odor familiar do papel, cola, tinta, cartão ou couro; as mãos acariciam a página suave ou rugosa, a encadernação macia ou dura; até, por vezes, o paladar, quando o leitor leva os dedos à boca (a forma como o assassino envenena as suas vítimas no romance de Umberto Eco O Nome da Rosa).


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 542

 

os leitores cujas identidades são negadas não têm outros lugares onde encontrar as suas histórias, a não ser na literatura que eles próprios produzem.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

sábado, 19 de agosto de 2023

# 541

 

A associação entre os livros e os seus leitores não se assemelha a nenhuma outra existente entre um objecto e o seu utilizador. Ferramentas, mobiliário, roupa - tudo tem uma função simbólica, mas os livros impõem aos seus leitores um simbolismo muito mais complexo que o de um simples utensílio. A mera posse de livros implica uma certa condição social e uma certa riqueza intelectual;


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 540

 

Sentada à minha frente no metro em Toronto, uma mulher lê a edição da Penguim de Labirintos, de Borges. Apetece-me interpelá-la, acenar-lhe, fazer-lhe sinal de que também pertenço à mesma fé. Ela, cujo rosto esqueci, em cujas roupas mal reparei, de quem não sei sequer a idade, está mais próxima de mim, pelo mero acto de segurar nas mãos aquele livro em particular, do que muitas outras pessoas que vejo diariamente. Uma prima minha de Buenos Aires, como tinha consciência clara de que os livros podiam funcionar como emblema, um sinal de aliança, escolhia sempre o livro que levava em viagem com o mesmo cuidado com que escolhia a mala de mão. 


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 539

 

Constantino foi o primeiro a encontrar significados cristãos proféticos em Virgílio e, através da sua leitura, o poeta latino transformou-se no mais prestigiado de todos os escritores oraculares.

(…)

O que Constantino descobriu nessa distante Sexta-Feira Santa, e para sempre, foi que o sentido de um texto se expande com as capacidades e desejos do leitor. Perante um texto, o leitor pode transformar as palavras numa mensagem que lhe decifre um problema não relacionado historicamente com o texto ou o seu autor. Esta transmigração de sentido pode alargar ou empobrecer o próprio texto; invariavelmente, impregna-o com as circunstâncias do leitor. Através da ignorância, da fé, da inteligência, de truques e astúcias, de revelações, o leitor reescreve o texto com as mesmas palavras do original, mas sob um outro cabeçalho, recriando-o, por assim dizer, no próprio acto de lhe dar o ser.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 538

 

Salas, corredores, estantes, prateleiras, fichas e catálogos informatizados partem do princípio de que os assuntos em que a nossa mente se demora são entidades reais e, devido a esta suposição, determinado livro pode adquirir um tom e valor particulares. Catalogado como ficção, As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, é um romance de aventuras humorístico; como sociologia, é um estudo satírico da Inglaterra do século XVIII; como literatura infantil, trata-se de uma fábula divertida sobre anões e gigantes e cavalos que falam; como fantasia, um precursor da ficção científica; como literatura de viagens, uma viagem imaginária; como clássico, uma parte do cânone literário ocidental. As categorias são mutuamente exclusivas; a leitura não o é  - ou não o deveria ser. Quaisquer que sejam as categorias escolhidas, todas as bibliotecas tiranizam o acto da leitura e forçam o leitor - o leitor curioso, o leitor atento - a resgatar o livro da categoria a que foi condenado.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 537

 

O inventor das primeiras placas escritas talvez se tenha apercebido das vantagens destes pedaços de argila sobre a capacidade de memória do cérebro: em primeiro lugar, a quantidade de informação que se podia armazenar nas placas era infindável - era possível continuar a produzir placas ad infinitum, ao passo que a capacidade de memória do cérebro é limitada; em segundo lugar, as placas não requeriam a presença do armazenador de memória para consultar a informação pretendida. Subitamente, algo intangível - um número, uma notícia, um pensamento, uma ordem - podia adquirir-se sem a presença física do transmissor da mensagem; como que por magia, era possível imaginar, registar e transmitir através do espaço e para além do tempo. Desde os mais remotos vestígios da civilização pré-histórica que a sociedade humana procurara ultrapassar os obstáculos geográficos, a irreversibilidade da morte, a erosão do esquecimento. Com um só acto - a incisão de uma imagem numa placa de argila - esse primeiro escritor anónimo conseguiu realizar todos esses feitos aparentemente impossíveis.

Mas a escrita não foi a única invenção criada no momento daquela primeira incisão: deu-se uma outra criação ao mesmo tempo. Como o objectivo do acto de escrita era preservar o texto - ou seja, lê-lo - a incisão criou simultaneamente um leitor, papel que se configurou ainda antes de o primeiro leitor adquirir uma presença física. Enquanto aquele primeiro escritor congeminou uma nova arte gravando marcas num pedaço de argila, uma outra arte se tornou tacitamente aparente, uma arte sem a qual as marcas teriam sido completamente desprovidas de sentido. O escritor era um produtor de mensagens, o criador de signos, mas estes signos e mensagens necessitavam de um mágico que os decifrasse, lhes reconhecesse o sentido e desse voz. A escrita requeria um leitor. 


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 536

 

Seja qual for a forma como os leitores fazem seu um livro, o resultado é que esse livro e o leitor se tornam um só. O mundo que o livro é, devora-o o leitor, que é uma letra no texto do mundo; assim se cria uma metáfora circular para o carácter interminável da leitura. Nós somos aquilo que lemos. O processo através do qual o círculo se completa não é, como defende Whitman, apenas intelectual; lemos intelectualmente a um nível superficial, apreendendo certos sentidos e conscientes de certos factos, mas, ao mesmo tempo, invisível e inconscientemente, o texto e o leitor entrelaçam-se, criando novos níveis de sentido, de forma que, de cada vez que extraímos qualquer coisa do texto ao ingeri-lo, nasce simultaneamente algo nele que ainda não apreendemos. É por isso que - como Whitman acreditava, ao reescrever e reeditar os seus poemas repetidamente - nenhuma leitura pode jamais ser definitiva.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 535

 

Há livros nos quais as notas de rodapé ou os comentários rabiscados por um leitor nas margens são mais interessantes do que o texto. O mundo é um desses livros. (George Santayana, filósofo americano de origem espanhola)

(…)

A nossa tarefa, como assinalou Whitman, consiste em ler o mundo, visto que esse colossal livro é a única fonte de conhecimento para os seres humanos.

(…)

Os seres humanos, feitos à imagem de Deus, são também livros a ler. Neste caso, o acto da leitura serve de metáfora para nos ajudar a compreender a nossa relação hesitante com o nosso corpo, o encontro, o contacto e o deciframento de signos noutra pessoa. Lemos expressões num rosto, seguimos os gestos da pessoa amada, como num livro aberto


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 534

 

Para Whitman, texto, autor, leitor e mundo reflectiam-se mutuamente no acto da leitura, um acto cujo significado alargou até lhe servir para a definição de todas as necessidades humanas vitais, assim como do universo em que tudo acontecia. Nesta conjunção, o leitor reflecte o escritor (ele e eu somos um), o mundo ecoa o livro (o livro de Deus, o livro da Natureza), o livro é de carne e sangue (a carne e o sangue do escritor, os quais, mediante uma transubstanciação, se tornam meus), o mundo é um livro a decifrar (o poema do escritor transforma-se na minha leitura do mundo). Durante toda a sua vida, Whitman parece ter buscado um entendimento e uma definição do acto da leitura, o qual é ao mesmo tempo ele próprio e uma metáfora de todos os seus constituintes.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

domingo, 13 de agosto de 2023

# 533

 

Do que precisamos é de livros que nos atinjam como a desgraça mais dolorosa, como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós próprios, que nos façam sentir como se tivéssemos sido expulsos para o meio dos montes, longe de qualquer presença humana, como um suicídio. Um livro tem de ser uma picareta para o mar gelado dentro de nós. (Franz Kafka)


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

sábado, 12 de agosto de 2023

# 532

 

Em todas as sociedades letradas, a aprendizagem da leitura é uma espécie de iniciação, um rito de passagem a partir de um estado de dependência e de comunicação rudimentar. A criança que aprende a ler é admitida no seio da memória da comunidade através dos livros e assim se familiariza comum passado comum, que renova, em maior ou menor grau, com cada leitura.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 531

 

Nunca regressamos ao mesmo livro ou até à mesma página, porque, na luz variável, nós mudamos e o livro muda, e as nossas memórias passam da claridade ao lusco-fusco e deste de novo à claridade, sem jamais sabermos exactamente o que aprendemos e o que esquecemos e o que de facto recordamos. O que é certo é que o acto de leitura, que resgata tantas vozes do passado, preserva-as por vezes pelo futuro adentro, onde, de formas audaciosas e imprevistas, poderemos vir a fazer uso delas.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 530

 

seguindo o texto, o leitor articula o seu sentido através de um método emaranhado de significações aprendidas, convenções sociais, leituras prévias, experiência pessoal e gostos próprios. 


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 529

 

Ler significa aproximarmo-nos de algo que está nesse momento em devir.


Se Numa Noite de Inverno um Viajante - Italo Calvino

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

# 528

 

a dicotomia artificial entre a vida e a leitura é activamente promovida por aqueles que se encontram no poder. Os regimes demóticos exigem que esqueçamos e, por consequência, classificam os livros como luxos supérfluos; os regimes totalitários exigem que não pensemos e, por consequência, banem, ameaçam e censuram; de maneira geral, tanto uns como os outros exigem que nos tornemos estúpidos e aceitemos a nossa degradação com humildade, e, por conseguinte, promovem o consumo de leituras fúteis. Em tais circunstâncias, os leitores têm de ser subversivos.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 527

 

a leitura é cumulativa e avança numa progressão geométrica: cada nova leitura assenta naquilo que o leitor leu antes.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

terça-feira, 8 de agosto de 2023

# 526

 

Cada livro era um mundo em si e nele eu procurava refúgio.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 525

 

Ler forneceu-me uma desculpa para a privacidade 


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 524

 

“…Foi em livros que encontrei o universo: resumido, classificado, rotulado, meditado, ainda cheio de força”. (Jean-Paul Sartre - Les Mots)


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 523

 

A experiência das coisas tive-a em primeiro lugar através dos livros.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 522

 

é o leitor que lê o sentido; é o leitor que reconhece a um objecto, lugar ou acontecimento uma possível legibilidade ou lha concede; é o leitor que tem de atribuir significação a um sistema de signos e em seguida decifrá-lo. Todos nos lemos a nós próprios e ao mundo à nossa volta para vislumbrarmos o que somos e onde estamos. Lemos para compreender ou começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase tanto como respirar, é uma das nossas funções vitais.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel 

# 521

 

Ao conseguir transformar simples linhas em realidade viva, tornara-me todo-poderoso. Sabia ler.


Uma História da Leitura - Alberto Manguel

terça-feira, 23 de maio de 2023

# 520

 

Seria um crime trazer uma criança a um mundo assim. Ninguém se podia dar ao luxo de perpetrar o sofrimento ou mesmo de aumentar o número daqueles animais libidinosos, incapazes de sentirem emoções consistentes e duradouras, antes desejos e vaidades, e que se moviam num turbilhão.


Virgínia Woolf - Mrs Dalloway 

segunda-feira, 22 de maio de 2023

# 519

 

Mas, no que respeitava à questão do amor (…) as coisas complicam-se bastante, sobretudo quando nos vem à ideia a imagem de mulheres que se apaixonam por outras mulheres.


Virgínia Woolf - Mrs Dalloway 

# 518

 

em certas alturas, era-lhe impossível resistir ao encanto de uma mulher (nunca de uma rapariga), sobretudo quando esta lhe confidenciava (o que costumava acontecer com frequência) uma qualquer falta, uma qualquer loucura. E, quer fosse devido à piedade que a dominava naqueles momentos, quer devido à beleza das criaturas em causa, quer ainda graças a um qualquer acontecimento circunstancial - a saber, um odor indistinto, um violino a tocar na porta ao lado (convém não esquecer a força que, em determinados momentos, os sons conseguem ter) - dava por si a sentir o que, sem qualquer sombra de dúvida, os homens também sentiam.


Virgínia Woolf - Mrs Dalloway 

domingo, 21 de maio de 2023

# 517

 

o fracasso é sempre algo que escondemos


Virgínia Woolf - Mrs Dalloway 

# 516

 

será que importava que também ela tivesse inevitavelmente de deixar de existir; que tudo aquilo que a rodeava tivesse de continuar sem ela; será que se ressen- tia disso, ou não seria mais consolador acreditar que a morte ditaria o fim de tudo? 


Virgínia Woolf - Mrs Dalloway 

# 515

 Sentia-se muito jovem e, ao mesmo tempo, indizivelmente velha. 

Virgínia Woolf - Mrs Dalloway

segunda-feira, 23 de maio de 2022

# 514

 

Às vezes, o regresso à normalidade, ainda que para nós devolver a velhas condições deploráveis, faz-nos bem.

Enrique Vila-Matas - Kassel Não Convida À Lógica 


# 513

 

Às vezes, parece-me divertido sentir-me dentro dos livros dos outros.

Enrique Vila-Matas - Kassel Não Convida À Lógica 

# 512

 

é preciso de vez em quando pensar que nem todos os estranhos que nos rodeiam são seres horríveis.

Enrique Vila-Matas - Kassel Não Convida À Lógica 

# 511

 

contrariamente ao que tantos julgam, não se escreve para entreter, embora a literatura seja um dos melhores entretenimentos que há, nem se escreve para isso a que se chama “contar histórias”, embora a literatura esteja cheia de relatos geniais. Não. Escreve-se para prender o leitor, para o possuir, para o seduzir, para o subjugar, para entrar no espírito do outro e ficar aí, para o emocionar, para o conquistar…


Enrique Vila-Matas - Kassel Não Convida À Lógica 

# 510

 

Não há boa viagem se não houver, incorporado na própria deslocação, o infinito prazer e a grande excitação que produzem os momentos de medo inerentes à própria viagem.


Enrique Vila-Matas - Kassel Não Convida À Lógica

# 509

 

A modo de simples defesa pessoal, tinha decidido virar as costas ao mundo extraviado e irrecuperável.


Enrique Vila-Matas - Kassel Não Convida À Lógica

domingo, 8 de maio de 2022

# 508

 

assim que queremos apaixonadamente aquilo que está fora do nosso controlo, estamos prontos para ser travados, estamos preparados para ser forçados a vergar os joelhos.

Philip Roth - Casei com um Comunista

# 507

 A raiva deve tornar-nos eficientes. É essa a sua função de sobrevivência. É por isso que ela nos é dada.  Se te torna ineficiente, larga-a como uma batata a escaldar. 

Philippi Roth - Casei com um Comunista



domingo, 30 de janeiro de 2022

# 506

 

certas personagens menores e até bastante simples perduram por vezes mais do que certos heróis espectaculares.

Enrique Vila-Matas - Mac e o Seu Contratempo

# 505

 

é o processo de escrever propriamente dito que permite ao autor descobrir o que quer dizer.

Enrique Vila-Matas - Mac e o Seu Contratempo 

# 504

 

Não gosto de nenhuma espécie de ostentação. Sempre senti a necessidade de passar o mais despercebido possível. Daí a minha tendência, sempre que posso, para me ocultar.

Enrique Vila-Matas - Mac e o Seu Contratempo

# 503

 

escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos.

Enrique Vila-Matas - Mac e o Seu Contratempo

sábado, 16 de outubro de 2021

cegueira oracular (# 502)

 

A escrita, por vezes, é cega. E, na sua cegueira, é oracular. Só que a sua “previsão” não diz respeito ao futuro, mas ao que aconteceu no passado a nós ou aos outros e que não tínhamos compreendido que tinha acontecido e porquê.


Antonio Tabucchi - Autobiografias Alheias

universo em expansão (# 501)

 

Um livro, para um escritor (mas creio também para o leitor), nunca acaba onde termina. Um livro é um pequeno universo em expansão.


Antonio Tabucchi - Autobiografias Alheias 

sábado, 9 de outubro de 2021

habituamo-nos à ausência (#500)

 

O desaparecimento é como a morte, pensei, dói mais ao início, mas depois habituamo-nos à ausência e, aos poucos, a pessoa que desaparece vai esmorecendo, tal como a sua ausência dentro de nós. 


Vigdis Hjorth - Herança

domingo, 26 de setembro de 2021

levar os nossos mortos para a terra de onde viemos (# 499)

 

o modo como nos desfazemos dos mortos nunca foi objecto de discussão, foi algo que sempre fizemos, com base numa necessidade que ninguém consegue explicar mas que toda a gente conhece: se o teu pai falecer no jardim num ventoso domingo de Outono, vais carregá-lo para dentro de casa; se não for possível, pelo menos vais cobri-lo com uma manta. Mas este impulso não é o único que temos em relação aos mortos. Não menos evidente do que o impulso de ocultarmos os corpos é o facto de os colocarmos ao nível do solo o mais rapidamente possível. É quase inconcebível um hospital que transporte os seus mortos para cima, que coloque as suas salas de autópsia e de cadáveres nos andares mais altos. Os mortos são colocados o mais perto possível do solo. E aplica-se o mesmo princípio a quem cuida deles; uma companhia de seguros pode muito bem ter as suas instalações no oitavo andar, mas não uma funerária. Todas as funerárias funcionam tão perto do nível da rua quanto possível. Não é fácil explicar porque as coisas são assim; poderíamos cair na tentação de acreditar que isso se baseou numa antiga convenção que inicialmente tinha uma finalidade prática, como o facto de a caveser fria e, portanto, mais adequada para conservar os corpos, e que este sistema durou até à nossa época de refrigeradores e câmaras frigoríficas, não fosse a ideia de transportar corpos por edifícios acima antinatural, como se altura e morte fossem mutuamente incompatíveis. Como se tivéssemos algum tipo de instinto ctónico, algo bem dentro de nós que nos instiga a levar os nossos mortos para a terra de onde viemos.


Karl Ove Knausgard - A Morte do Pai 

porquê este desconforto perante um cadáver? (# 498)

 

O número de mortos mencionado todos os dias nos jornais ou exibido nas notícias televisivas varia um pouco conforme as circunstâncias, mas a média anual tende a ser mais ou menos constante, e, como se trata, de um assunto divulgado por tantos meios de comunicação, é quase impossível de ignorar. Esse tipo de morte, no entanto, não parece constituir uma ameaça. Pelo contrário, é algo que queremos é que pagamos alegremente para ver. Se acrescentarmos a enorme quantidade de mortos que a ficção produz, torna-se ainda mais difícil de entender o sistema que mantém os mortos longe do nosso olhar. Se o fenómeno da morte não nos assusta, porquê este desconforto perante um cadáver? Ou isto significa que há dois tipos de morte, ou que há uma contradição entre o nosso conceito de morte e a morte como ela realmente é, o que na verdade se resume ao mesmo: o que importa neste contexto é que o nosso conceito de morte está tão enraizado na nossa consciência que não só ficamos abalados quando verificamos que a realidade se afasta dele, como também tentamos ocultar isso de todas as formas ao nosso alcance. 


Karl Ove Knausgard - A Morte do Pai

arte da troca de impressões (# 497)

 

Todas estas zonas potencialmente criativas dos nossos encontros, todos estes espaços temporais em que, por vezes, temos a sensação de que o “acaso produtivo” e toda a informação que cruzamos é tão valiosa que não podemos prescindir de nada, originam momentos que nos levam a acreditar na arte da troca de impressões e, além disso, a compreender que esta arte pode ser mais intensa como experiência do que como imagem.

Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico

uma amizade (# 496)

 

Para mim, uma amizade é inconcebível se não se tiver em alta estima a pessoa amiga, se não a admirarmos, ainda que haja nuances. Porque é-se amigo de alguém por aquilo que este faz, por aquilo que ele é, pela forma como age para viver no mundo, e também por não saber como agir para viver no mundo. Esta admiração, como nos disse o próprio Montaigne, advém, na realidade, de um profundo respeito para com o outro; tê-lo enobrece a pessoa amiga, realça-a, eleva-a a uma posição sempre superior à nossa, o que, no fundo, nos faz muito bem.


Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico

Acreditar (# 495)

 

Nada nos é mais próximo do que esta declaração de Duchamp:”Gosto do verbo acreditar. Geralmente, quando alguém diz sei, não sabe, acredita. acredito que a arte é a única actividade em que o homem enquanto tal se manifesta como verdadeiro indivíduo, como ser capaz de ultrapassar a condição animal, porque a arte é uma saída para regiões não dominadas pelo tempo e pelo espaço. Viver é acreditar; pelo menos, é nisso que eu acredito.”


Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico

citações literárias distorcidas (# 494)

 

a minha literatura levara até ao limite a utilização de citações literárias distorcidas para que, entre outras coisas, a minha falsa erudição funcionasse como uma sintaxe.

Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico

sábado, 25 de setembro de 2021

só a literatura é verdadeiramente transcendente (# 493)

 

O mundo é uma passagem, e esta é a nossa vida, vem nos livros. Só vivemos realmente à medida que vamos lendo a nossa história e a transcendemos. Porque só a literatura é verdadeiramente transcendente, nos faz descobrir os outros e perguntarmo-nos como é possível que os signos numa tábua de argila, os signos de uma pluma ou de um lápis possam criar uma pessoa (um Quixote, um Gregor Samsa, uma Beatriz, um Jacob von Guten, um Fallstaff, uma Anna Karenina) cuja substância excede, na sua realidade, na sua longevidade personificada, a própria vida.


Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico

a literatura permite pensar o que existe, (# 492)

 

a literatura permite pensar o que existe, mas também o que se anuncia e ainda não aconteceu.


Enrique Vila-Matas - Marienbad Elétrico

um quarto é o espaço central a toda a tragédia (# 491)

 

Não é para me justificar, mas é lógica, esta atracção por este tipo de quarto único, de espaço fechado. É o estilo de quarto que atrai por aquilo que basicamente representa, pois é o lugar mítico onde se desenrola o grande drama humano, não isento, algumas vezes, de luz. No fim de contas, um quarto é o espaço central a toda a tragédia (…) Um quarto fechado é, provavelmente, como diz um amigo meu, o preço a pagar para ver a luminosidade. E foi o meu lugar preferido para descobrir a minha vida dentro dos textos que lia.

Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico

Eu sou um cineasta sem obra (# 490)

 Eu sou um cineasta sem obra, que permanece fiel à liberdade narrativa dos anos sessenta que tanto me seduziram não minha juventude. 

Como cineasta secreto, imagino sequências, crio cenas para uma futura antologia de cinema invisível.


Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico 

é já uma narrativa em miniatura (# 489)

 

cada pormenor de um lugar que prenda a nossa atenção é já uma narrativa em miniatura e, portanto, todo o romance é, de certo modo, infinito.


Enrique Vila-Matas - Marienbad Eléctrico

sábado, 28 de agosto de 2021

quinta-feira, 11 de março de 2021

morre-se sozinho e nasce-se sem companhia (# 486)

 

fiquei para aqui a lembrar-me de ingratidões e abandonos que foi o que recebi neste mundo, morre-se sozinho e nasce-se sem companhia a esbracejar os olhos, quem não tem dedos é quem agarra mais


António Lobo Antunes- Diccionário Da Linguagem das Flores

são tão tristes os fins (# 485)

 

são tão tristes os fins, tudo cheio de espaço dentro de nós de repente, lugares vagos para maus presságios e  horas magoadas, lágrimas ocultas sob o nada das coisas

domingo, 24 de janeiro de 2021

tantos mistérios (# 484)

 tantos mistérios na vida das pessoas, tanta coisa escondida, quem são vocês, quem sou eu


António Lobo Antunes- Diccionário da Linguagem das Flores 

sábado, 23 de janeiro de 2021

contraditório (# 483)

 

não conheço nada mais contraditório que a vida


António Lobo Antunes - Diccionário Da Linguagem das Flores

o lixo em que vivo comigo (# 482)

 o lixo em que vivo comigo existe apenas por dentro e faço os possíveis para que os outros não vejam


António Lobo Antunes- Diccionário da Linguagem das Flores

o som dos meus passos não me acompanha (# 481)

 

estou numa caixa de cartão num fundo de armário, cheia de rendas de episódios defuntos e de maçanetas antigas, algumas com um parafuso meio solto ainda, o som dos meus passos não me acompanha, vai ficando para trás de mim com os seus sapatos de criança, o seu medo do escuro 

António Lobo Antunes - Diccionário da Linguagem das Flores

é esquisito o tempo (#480)

 é esquisito o tempo, qualquer espera uma eternidade ao passo que os anos um piscarzinho de lâmpada, nem um segundo e logo a gente quem é esta nos espelhos que não se parece comigo, a expressão surpreendida, o cabelo sem brilho, vou morrer e pronto

António Lobo Antunes - Diccionário da Linguagem das Flores

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

tão sozinho (# 479)

 há alturas em que me sinto tão sozinho que invento tudo

António Lobo Antunes - Diccionário da Linguagem das Flores 

A infância (# 478)

 

A infância passa a vida a regressar quando não deve.


António Lobo Antunes - Diccionário da Linguagem das Flores

domingo, 17 de janeiro de 2021

o que via e o que desejava ver (# 477)

 o problema da minha vida é que sempre confundi o que via e o que desejava ver...


Umberto Eco - Baudolino

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

agitado pela vida que se contorce dentro dele, (# 475)

 o nosso corpo, agitado pela vida que se contorce dentro dele, consumindo-o, faz coisas estúpidas que não devia fazer.


Elena Ferrante - A Vida Mentirosa dos Adultos 

por vezes os pensamentos (# 474)

 

por vezes os pensamentos emanam uma força latente, agarram imagens contra a tua vontade, projectam-tas diante dos olhos durante uma fracção de segundo.


Elena Ferrante - A Vida Mentirosa dos Adultos