sábado, 7 de junho de 2014

# 115



Por várias vezes Axler se sentou a um canto da sala de jogos com o grupinho de doentes suicidas, a ouvi-los recordar a determinação com que tinham planeado morrer e lamentar a forma como tinham fracassado. Cada um deles continuava imerso na magnitude da sua tentativa de suicídio e na ignomínia de lhe ter sobrevivido. Haver quem fosse mesmo capaz de o fazer, quem fosse capaz de ter domínio sobre a sua própria morte, era para todos um motivo de fascínio - era o seu tema de conversa natural, como é para os rapazes falar de desporto. Vários deles descreviam uma sensação idêntica à excitação que um psicopata deve sentir quando mata alguém, e que os invadia quando tentavam matar-se. Dizia uma mulher jovem: "A nós mesmos e a quantos nos rodeiam parecemos paralisados e absolutamente impotentes e no entanto somos capazes de decidir cometer o acto mais difícil que existe. É estimulante. É revigorante. É eufórico." "Sim, disse outro dos presentes, "sente-se uma euforia impiedosa. A nossa vida está a desmoronar-se, perdeu o centro, e o suicídio é a única coisa que está nas nossas mãos." Um homem de idade, professor primário aposentado que tinha tentado enforcar-se na garagem, deu-lhes uma aula sobre o que os "de fora" pensam sobre o suicídio. "A única coisa que toda a gente quer fazer com o suicídio é explicá-lo. Explicá-lo e julgá-lo. É uma coisa tão desconcertante para quem ficou para trás que têm de arranjar maneira de pensar sobre ela. Há quem considere o suicídio um acto de cobardia. Há quem o considere um crime, um crime contra os sobreviventes. Há outra escola de pensamento que o acha heróico e um acto de coragem. E depois há os puristas. Para esses, a questão é: justificava-se, havia motivo suficiente? O ponto de vista mais clínico, que não o penaliza nem o idealiza, é o do psicólogo, que tenta descrever o estado de espírito do suicida, qual era o seu estado de espírito quando cometeu o acto." Repetia este discurso entediante praticamente todas as noites, como se não fosse um doente angustiado como os outros mas sim um orador convidado para elucidar o tema que os angustiava noite e dia. Num dos serões Axler tomou a palavra - para representar, como então reparou, perante a sua plateia mais vasta desde que tinha deixado os palcos. "O suicídio é o papel que escrevemos para nós mesmos", disse-lhes. "Vivemos dentro dele e representamo-lo. Tudo cuidadosamente encenado - onde nos encontrarão e como nos encontrarão". E acrescentou: "Mas só o representamos uma vez."


Philip Roth - A Humilhação

Sem comentários:

Enviar um comentário