sábado, 21 de junho de 2014

# 121



Por que é que a escrita nos faz procurar o escritor? Por que é que não o deixamos em paz? Por que é que os livros não bastam? Flaubert queria que fosse assim: poucos escritores acreditaram mais na objectividade do texto escrito e na insignificância da personalidade do escritor; mas mesmo assim desobedecemos e continuamos. A imagem, o rosto, a assinatura: a estátua com noventa e três por cento de cobre e a fotografia de Nadar; o bocado de tecido e a mecha de cabelo. O que é que nos torna ávidos de relíquias? Não acreditamos suficientemente nas palavras? Pensamos que os despojos de uma vida têm uma verdade ancilar? Quando Robert Louis Stevenson morreu, a sua ama, com um espírito de negócio de boa escocesa, começou calmamente a vender cabelo que afirmava ter cortado da cabeça do escritor quarenta anos antes. Os crentes, os investigadores, os exploradores, compraram cabelo que chegava para estofar um sofá.


Julian Barnes - O Papagaio de Flaubert

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