domingo, 13 de julho de 2014

# 143



As pessoas traziam-lhe também os seus problemas pessoais, como se, do seu leito de morte, pudessem esperar algo próximo da informação divina.
A porta do quarto de Ravelstein estava aberta e eu pude ver o cabelo comprido do nosso amigo Battle caído sobre os seus ombros montanhosos, e as suas belas botas até ao tornozelo. O rosto dele não estava à minha frente, mas a mulher estava obviamente a chorar. (...)
Depois de se irem embora, Ravelstein contou-me (acocorado na cama, como que divertindo-se interiormente) que o objectivo da visita era pedir-lhe conselho.
- Acerca de quê?
- Vieram falar-me dos seus planos de suicídio. Pediram desculpa por me incomodar. Ainda por cima numa tal altura...
- Eu diria o mesmo...
- Não sejas tão duro com eles, Chick. Nos idosos são comuns as fantasias de suicídio. Acho que eles estavam a falar a sério.
- Eles julgaram que estavam a falar a sério.
- Porque eu estou a morrer ocorreu-me o mesmo, naturalmente. Esta é uma linda ocasião para me virem com os seus problemas. Eles puseram a questão no estilo "e se". Será que eu achava que, em abstracto, neste momento das suas vidas e tudo o mais, seria uma boa ideia se?...
- Um pacto suicida?
- Battle explanou o argumento e ela completou-o e acrescentou o comentário sensato. Disseram que eu era a única pessoa em quem confiavam o suficiente e que não se riria deles.
- Portanto, vens ter com um homem que preferia não ter de morrer e apresentas-lhe o teu plano de suicídio.
(...)
- A queixa é de que estão a ficar velhos. Todas as pessoas educadas cometem o mesmo erro, pensam que a natureza e a solidão são veneno puro - disse Ravelstein. (...)
- O que lhes disseste, então?
(...)
-Eu disse-lhes que tinham tido um grande romance de amor. (...) Os Battles contam comigo para sintetizar as coisas, e assim cumpri o que esperavam de mim e contei-lhes a sua própria história. Entre milhões ou centenas de milhões de pessoas, eles, apenas eles, tinham acertado na lotaria. Tiveram uma grande história de amor e décadas de felicidade sem esforço. Como podiam suportar a ideia de vulgarizarem isso com um suicídio?...Eu podia ver que estava a dizer o que a senhora Battle desejava ouvir. Ela queria que eu defendesse a causa de continuarem vivos.
- Mas o Battle não estava completamente satisfeito, não é assim?
- Isso mesmo, Chick. Ele queria uma discussão acerca do suicídio e do niilismo. Já por várias vezes pensei que as fantasias de suicídio e as fantasias de assassínio se equilibram mutuamente na economia mental das pessoas civilizadas.


Saul Bellow - Ravelstein

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