domingo, 20 de julho de 2014

# 152



Entre muitas outras espécies de monstros, têm medo deste ser insignificante que sou eu, reconhece George.
Na opinião de George, Mr. Strunk tenta classificá-lo com uma palavra. Esquisito, rosna ele, sem dúvida. Mas como afinal estamos no ano de mil novecentos e sessenta e dois, talvez se possa esperar que acrescente: não me interessa o que ele faz desde que se mantenha longe de mim. Até os psicólogos estão em desacordo quanto às conclusões a que é possível chegar-se acerca dos Mr. Strunk deste mundo, a partir de um tal comentário. (...)
Mas George tem a certeza de que Mrs. Strunk se permite discordar ligeiramente do marido, pois está treinada na nova tolerância, na técnica de aniquilamento pela brandura. Tal como vem no seu livro de psicologia, a campainha e a vela já não são necessárias. Ao lê-lo no seu doce cantarolar, ela exorciza aquilo que em George é indizível. Não há motivo para aversão, acentua, nem para condenação. Nada existe aqui que seja intencionalmente depravado. Tudo se deve à hereditariedade, ao ambiente dos primeiros anos de vida (aquelas mães possessivas, aquelas escolas inglesas em que se praticava a segregação dos sexos, que vergonha!), ao desenvolvimento reprimido na puberdade, e/ou às glândulas. Aqui temos um ser desajustado, privado para sempre das coisas melhores da vida, que devemos lamentar e não acusar. Alguns casos, quando detectados a tempo, conseguem responder à terapia. Quanto aos restantes...ah, é tão triste, em especial quando acontece com pessoas que valem verdadeiramente a pena, pessoas que teriam tanto a dar. (Apesar disso, quando são génios, as suas obras primas saem invariavelmente desvirtuadas.) Portanto, vamos ser compreensivos e lembrarmo-nos de que afinal os Gregos existiram (embora fosse um pouco diferente, pois esses, mais do que neuróticos, eram pagãos). Vamos mesmo ao ponto de afirmar que este tipo de relação pode, por vezes, quase atingir a beleza, particularmente se uma das partes já morreu, ou melhor ainda, ambas.
Como Mrs. Strunk gostaria de lamentar a morte de Jim! Mas, ah, ela não sabe de nada; nenhum deles sabe. O acontecimento deu-se no Ohio e os jornais não trouxeram a notícia. George limitou-se a espalhar na zona que os familiares de Jim, que já estão a ficar entrados na idade, tentaram convencê-lo a voltar para casa e a viver com eles; e que agora, em consequência desta sua recente visita, ele ficará no Leste para sempre. O que é uma grande verdade. (...)
Mas o seu livro está errado, Mrs. Strunk, diz George, quando afirma que Jim é o substituto que eu encontrei para um filho, um irmão mais novo, um marido, uma esposa. Jim não era o substituto de nada. E, desculpem-me que o diga, não existe substituto de Jim em lado nenhum.
O seu exorcismo falhou, cara Mrs. Strunk, diz George, de cócoras na casa de banho e espreitando do seu refúgio, ao vê-la despejar o saco de pó do aspirador no contentor do lixo. O indizível continua aqui; precisamente junto de si.


Christopher Isherwood - Um Homem Singular

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