terça-feira, 20 de janeiro de 2015

# 215



- Foi quando era muito jovem que decidi tornar-me louco, tal como decidimos tornar-nos médicos ou advogados. Os loucos usufruem de circunstâncias atenuantes e é-lhes permitido exprimirem-se com toda a liberdade. E eu queria - era a minha única ambição - poder dizer ao mundo toda a minha repulsa e o meu ódio sem arriscar represálias. Era um sonho bonito para quem tinha descoberto a doutrina ignóbil que regia o mundo. No princípio foi difícil fazer aceitar o meu novo estado; não me levavam a sério. Foi então que me pus a barafustar contra a política e a corrupção dos governos locais e estrangeiros. Não fazia distinções. Os meus ataques horrorizaram-nos e tiveram a certeza de que eu era realmente louco. Reparaste que, de cada vez que um rei ou um presidente de um país é assassinado, o seu assassino é imediatamente considerado louco? Como se só os assassinos que matam um velhote miserável para o roubar fossem seres sensatos.
- É o tipo de lógica que sempre me deu vontade de rir. Mas regressemos à tua condição de louco. Tudo se passou como esperavas?
- Melhor ainda do que esperava. Os adultos respeitam-me porque têm um medo supersticioso da loucura e as crianças gostam de mim porque a loucura as diverte. Posso dar-me ao luxo de pensar que vivi todos estes anos numa liberdade que pareceria utópica para a maior parte dos homens. Tinha todos os direitos e nenhum dever em relação a quem quer que fosse. É uma experiência eufórica e que recomendo a todos os espíritos rebeldes.
- Lamento profundamente não te ter conhecido mais cedo. São dias de alegria perdidos para mim.


Albert Cossery - Uma Ambição no Deserto

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