domingo, 25 de junho de 2017

# 315


Não estava bêbedo o suficiente para não sentir que tinha desfeito a sua casa, que dentro dela nada estava no sítio certo, mas que ao mesmo tempo - e era verdade, era maravilhosamente verdade - , pelo chão ou no tecto, por baixo da cama ou a flutuar numa bacia, havia estrelas e pedaços de eternidade, poemas como sóis e caras enormes de mulheres e de gatos onde ardia a fúria das suas espécies numa mistura de lixo e placas de jade, e na sua língua, onde as palavras se entrelaçavam noite e dia em furiosas batalhas de formigas contra centopeias, a blasfémia coexistia com a menção pura das essências e a imagem clara com o pior dos bufardos*

Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

* calão argentino

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