sexta-feira, 5 de julho de 2019

# 435



Até ao século passado, ainda era possível imaginar a terra incognita em algumas regiões dispersas do mundo. Quando eu era pequeno, o globo que se encontrava em cima da minha secretária tinha manchas cor-de-rosa disseminadas que significavam que ali existiam lugares aparentemente nunca observados por olhos humanos e que me pareciam muito mais atraentes do que os países delimitado por traços e pontos (...) preferia inventar para as manchas cor-de-rosa vazias uma geografia que eu próprio concebera (...) Quando, poucos anos mais tarde, as novas tecnologias me privaram daquela liberdade, mesmo os escassos lugares anónimos se tornaram conhecidos e catalogados para sempre (...) Mas ainda havia a cartografia da imaginação. A nossa geografia imaginária é infinitamente mais vasta do que a do mundo material. Esta observação, por mais banal que seja, permite-  nos detectar a generosidade imensa de uma função humana vital: a de dar vida ao que não pode reclamar presença no mundo do volume e do peso. (...) os lugares imaginários da mente não carecem de materialidade para existir na consciência. A Utopia e o País das Maravilhas, o Castelo de Kafka e o Reino do Eldorado estão sempre presentes, embora nenhum atlas mostre a sua verdadeira localização. "Não está registado em nenhum mapa. Os lugares verdadeiros nunca o estão", escreveu Herman Melville depois de ver tantos lugares no mundo a que chamamos real.
É seguindo as geografias imaginárias que construímos o nosso mundo: o resto é apenas confirmação. (...) As coisas não imaginavas carecem de existência, como aqueles montáculos funerários turcos visíveis mas não vistos, até Schliemann imaginar que se tratava das ruínas de Tróia, ou aqueles muros degradados que só adquirem vida depois de cobertos de graffiti.

Alberto Manguel - Diccionário de Lugares Imaginários

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