quarta-feira, 31 de julho de 2019

# 453


O Jogo da macaca joga-se com uma pedra que tem de se empurrar com a biqueira do sapato. Ingredientes: um passeio, uma pedra, um sapato e um belo desenho feito com giz, de preferência colorido. O Céu está lá ao fundo, e a Terra aqui em baixo, é muito difícil acertar com a pedra no Céu, calcula-se quase sempre mal e a pedra sai do desenho. Pouco a pouco, no entanto, vai-se adquirindo a habilidade necessária para acertar em todas as casas (a macaca em caracol, rectangular, de fantasia, pouco utilizada), e um dia aprende-se a sair da Terra e a levar a pedra até ao Céu, até chegar ao Céu (...); o problema é que precisamente nessa altura, quando quase ninguém aprendeu ainda a levar a pedra até ao Céu, que a infância se acaba e de repente se cai nos romances, na angústia inútil, na especulação de outro Céu ao qual também é preciso aprender a chegar. E como já se saiu da infância (...) esquece-se que para chegar ao Céu são necessários uma pedra e a biqueira de um sapato como utensílios básicos. (...) Uma pedra e a biqueira do sapato, (...) algo que desde a infância (...) mostrava a via recta para o Céu (...), sim, chegar ao Céu aos pontapés, chegar até lá com a pedra (carregar a sua cruz? Artefacto pouco manejável) para no último pontapé atirá-la contra o azul, o azul, o azul, plaf de vidro partido, para a cama sem sobremesa, menino mau, e que importava isso se atrás do vidro partido estava o kibbutz, se o Céu não era mais do que um nome infantil para o seu kibbutz.


Julio Cortázar - O Jogo do Mundo (Rayuela)

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