sexta-feira, 5 de julho de 2013

# 15


(...) só quando alguém morre é que pensamos que já se fez tarde para qualquer coisa, para tudo - e ainda mais para o esperarmos - e nos limitamos a dar-lhe baixa. Aos nossos próximos também, ainda que nos custe muito mais e os choremos, e que a sua imagem nos acompanhe em espírito enquanto andamos pelas ruas e em casa, e embora acreditemos durante muito tempo que havemos de nos acostumar. Mas sabemos desde o princípio - desde que morrem - que já não devemos contar com eles, nem sequer para as coisas mais insignificantes, para um vulgar telefonema ou para uma pergunta pateta ("Deixei aí as chaves do carro? A que horas saíam hoje as crianças?"), para nada. Nada é nada. Na realidade é incompreensível, porque pressupõe que temos certezas e isso é avesso à nossa natureza: a de que alguém já não tornará a chegar, nem a dizer, já nunca mais dará um passo - nem para se aproximar nem para se afastar - não mais olhará para nós nem desviará a vista. Não sei como resistimos a isto, nem como recuperamos. Não sei como nos esquecemos de vez em quando, quando já passou o tempo e nos afastou deles, que ficaram imóveis.


Javier Marias - Os enamoramentos

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