sábado, 13 de julho de 2013

# 36



Quando somos abandonados podemos fantasiar com um regresso, com que se faça luz um dia para quem nos abandonou e volte à nossa almofada, mesmo que saibamos que já nos substituiu e está enredado com outra mulher, noutra história, e que só vai lembrar-se de nós se de repente lhe correr mal a nova, ou se insistirmos e nos tornarmos presentes contra a sua vontade e tentarmos preocupá-lo ou adoçá-lo ou causar-lhe pena ou nos vingarmos, fazer-lhe sentir que nunca se livrará de nós de todo, que não queremos ser uma recordação minguante mas sim uma sombra inamovível que o vai rondar e espiar sempre, e tornar-lhe a vida impossível, e na realidade fazer com que nos odeie. Em contrapartida, não se pode fantasiar com um morto, a não ser que tenhamos perdido o juízo, há os que escolhem perdê-lo, ainda que transitoriamente, os que consentem nisso conseguindo convencer-se de que o que aconteceu aconteceu, o inverosímil e até o impossível, o que nem sequer cabia no cálculo de probabilidades pelo qual nos regemos para nos levantarmos todos os dias sem que uma nuvem plúmbea e sinistra nos inste a fechar os olhos outra vez, pensando: "Ora, afinal estamos todos condenados. Na realidade não vale a pena. Façamos o que fizermos, estaremos só à espera, como mortos de licença, como alguém disse uma vez."


Javier Marias - Os enamoramentos

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