sábado, 13 de julho de 2013

# 37



...Sabes, ao fim e ao cabo, numa vida conta mais aquilo que não se recorda do que aquilo que se recorda (...) Havíamos de ter memória de elefante, que é coisa que os homens não têm, talvez algum dia a inventem, electrónica, quem sabe, uma chapinha do tamanho de uma unha enfiada no cérebro, com o registo da nossa vida toda...A propósito de elefantes, de todos os rituais fúnebres que as criaturas deste mundo excogitaram, sempre admirei o dos elefantes, que têm uma estranha forma de morrer, sabias? Quando um elefante sente que chegou a sua hora afasta-se da manada, mas não o faz sozinho, escolhe um companheiro que vá com ele, e abalam. Avançam pela savana, muitas vezes a trote, depende da urgência do moribundo...e caminham, caminham, podem fazer quilómetros e quilómetros, até o moribundo decidir que é ali que quer morrer, então dá umas quantas voltas e traça um círculo, porque sabe que chegou a hora de morrer, leva a morte dentro de si mas tem de colocá-la no espaço, como se se tratasse de um encontro, como se quisesse olhar a morte de frente, fora dele, e lhe dissesse bom dia senhora morte, cheguei...trata-se de um círculo imaginário, naturalmente, mas precisa dele para geografizar a morte, por assim dizer...e só ele pode entrar naquele círculo, porque a morte é um assunto privado, muito privado, e ninguém pode lá entrar senão quem está a morrer...e aí chegado pede ao companheiro que o deixe, adeus e muito obrigado, e o outro regressa à manada...


Antonio Tabucchi - Tristano Morre

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