terça-feira, 16 de julho de 2013

# 44



(...) os primeiros anos da vida de Marvin tinham sido difíceis. Era um dos sete filhos não desejados de um casal que a custo merecia o nome de pais, autênticos selvagens que só gostavam de pescar e vaguear pelos pântanos. Os filhos, e nascia-lhes um por ano, não passavam de um aborrecimento. À noite, quando voltavam para casa, de regresso do engenho, olhavam para as crianças como se não soubessem donde tinham surgido. Se choravam, batiam-lhes, e a primeira coisa que aprenderam neste mundo foi a procurar um canto escuro para se esconderem o melhor possível. Eram tão magros que pareciam espectros e nunca falavam, nem mesmo entre si. Por fim, os pais abandonaram-nos e ficaram à mercê da caridade pública. (...) 
Os dois mais novos, Marvin e Henry, foram adoptados por uma boa mulher, chamada Mrs. Mary Hale, que os amou como se fossem seus. Criaram-se e cresceram na sua casa. 
Mas o coração das crianças é um orgão delicado. Um cruel início de vida acaba por deformá-los de maneira singular. O coração de uma criança assim magoada pode encolher-se para sempre e endurecer como um caroço de pêssego. Ou, pelo contrário, dilatar-se de tal forma que se torna uma infelicidade para o corpo que o abriga e pode facilmente ser ferido pela coisa mais vulgar. Foi o que aconteceu a Henry Macy, tão diferente do irmão. Henry era o mais terno e dócil dos homens da povoação. Emprestava o salário aos que precisavam e ocupava-se, nessa época, das crianças cujos pais passavam a noite de sábado no café. Era uma pessoa tímida, com o aspecto de alguém cujo coração é grande, mas sofre. Marvin, pelo contrário, tornou-se ousado, indomável e cruel. O coração dele era duro como os chifres do Diabo e, até se apaixonar por Miss Amelia, só trazia, ao irmão e à boa mulher que os criara, desgostos e vergonha.

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