terça-feira, 16 de julho de 2013

# 43



(...)

Havia um balde de gelo em cima da mesa. O gim e a água tónica eram servidos à discrição e, por alguma razão, demos por nós a falar de amor.

(...)

Terri disse que o homem com quem vivera antes de viver com Herb gostava tanto dela que a tentara matar. (...)

- Uma noite, a última que vivemos juntos, ele espancou-me. Arrastou-me pelos tornozelos pela sala de estar enquanto dizia: "Eu amo-te, não percebes? Amo-te, sua cabra". Continuou a arrastar-me pela sala, a minha cabeça a bater na mobília. - Olhou em volta da mesa, para nós, e depois olhou para as suas mãos em redor do copo. - O que é que se faz com um amor destes? (...)


- Meu Deus, não sejas tonta. Isso não é amor, e tu sabes que não é - disse Herb. - Não sei o que lhe hei-de chamar - provavelmente loucura - mas de certeza que não é amor.

- Pensa o que quiseres, mas eu sei que ele me amava - disse Terri. - Eu sei que sim. Pode parecer-te uma loucura, mas continua a ser verdade. As pessoas não são todas iguais, Herb. Claro, por vezes, ele agia como louco. Certo. Mas amava-me. Havia ali amor, Herb. Não negues isso.

(...)

- Quando me fui embora, ele bebeu veneno para ratos - disse Terri. Agarrou os próprios braços, com as mãos. - Levaram-no para um hospital, em Santa Fé, onde vivíamos, salvaram-lhe a vida, e as gengivas separaram-se-lhe dos dentes. Quero dizer, afastaram-se dos dentes. Depois disso, os dentes dele pareciam presas. Meu Deus - disse ela. Aguardou um minuto, depois largou os braços e pegou no copo.

- O que as pessoas não fazem! - disse Laura. (...) Onde é que ele anda agora?

- Está fora do circuito - disse Herb. - Está morto. (...)

- E a coisa fica ainda pior - disse Terri. - Deu um tiro na própria boca, mas nem isso fez direito. Pobre Carl - disse ela. Abanou a cabeça.

(...)

- Eu explico-te o que aconteceu - disse Herb. - Ele pegou na pistola calibre 22 que tinha comprado para nos ameaçar, a mim e à Terri; (...)

Herb fez uma pausa e girou o copo na palma da mão. Depois disse: - Deu um tiro na própria boca dentro do quarto. Alguém ouviu o tiro e foi dizer ao senhorio. Entraram no quarto com uma chave mestra, viram o que tinha acontecido e chamaram uma ambulância. Eu estava lá quando o trouxeram para as urgências. Estava a tratar de outro paciente. Ele ainda estava vivo, mas não havia nada que pudessem fazer pelo homem. Ainda assim, sobreviveu três dias. Digo-vos a sério, a cabeça dele inchou e ficou do dobro do tamanho de uma cabeça normal. Nunca vi uma coisa assim, e espero nunca voltar a ver. A Terri queria lá ir sentar-se junto dele quando soube do sucedido. Tivemos uma discussão. Achei que ela não o devia ver naquele estado.

- Quem é que ganhou a discussão - perguntou Laura.

- Eu estava no quarto quando ele morreu - disse Terri. - Nunca chegou a recuperar a consciência, e não havia qualquer esperança, mas eu sentei-me junto dele. Não havia mais ninguém.

- Ele era perigoso - disse Herb. - Se chamas a isso amor, podes ficar com ele.

- E era amor - disse Terri. - Claro que era um amor anormal aos olhos de muitos, mas ele estava disposto a morrer por ele. E morreu por ele.


Raymond Carver - Principiantes - O que sabemos do amor


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