sábado, 20 de julho de 2013

# 46



Durante as silenciosas e sombrias noites de Inverno, o café era o centro agradável para onde todos convergiam. As luzes brilhavam com tanta intensidade que podiam ser vistas a um quarto de milha. O enorme fogão de ferro fundido, ao fundo da sala, sussurrava dando estalidos, até ficar rubro. Miss Amélia arranjara cortinas vermelhas para as janelas e comprara a um caixeiro-viajante um braçado enorme de rosas de papel que pareciam naturais.
Mas não eram só as decorações e a claridade que faziam do café aquilo que era. Havia uma razão profunda para o café ser tão enaltecido. E esta razão profunda tinha que ver com um determinado orgulho antes desconhecido. Para compreender este novo sentimento é preciso não esquecer o pouco valor que se atribui à vida humana. Muita gente dependia da fábrica, mas era rara a família que tinha o suficiente para comer e vestir. A vida pode tornar-se numa luta desordenada, apenas porque se tem de obter aquilo que é necessário para manter as pessoas vivas. E o problema reside nisto: todas as coisas têm um valor e é preciso dinheiro para as ter, pois é assim que o mundo funciona. Sabe-se quanto custa o fardo de algodão ou uma quarta de melaço. Mas a vida humana não tem preço: é-nos dada de graça e levam-na sem pagar nada. Quanto vale? A julgar pelo que nos rodeia, por vezes o seu valor é pouco ou nenhum. Muitas vezes esforçamo-nos sem descanso e as coisas não melhoram, e depois surge a sensação de que não se vale nada.
Ora, o orgulho que o café despertou na população, teve um efeito quase imediato em toda a gente, incluindo as crianças. Para ali se estar, não era preciso pagar o jantar ou um quarto de whisky. Havia bebidas a níquel para quem não pudesse pagar mais e Miss Amélia vendia uma bebida, "Cherry Juice", cor-de rosa e muito doce, a um penny o copo. As crianças adoram adormecer em casas diferentes das suas e comer à mesa dos vizinhos; em tais ocasiões, comportam-se sempre bem e sentem-se orgulhosas disso. As pessoas da terra sentiam o mesmo tipo de orgulho ao sentarem-se no café. Lavavam-se e limpavam a sola das botas antes de entrarem. Aí, pelo menos durante algum tempo, o amargo sentimento de não se valer nada neste mundo quase desaparecia.


Carson McCullers - A Balada do Café Triste

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