quinta-feira, 29 de agosto de 2013

# 89



Curiosamente, não me surpreendia nem me chocava que a Luísa me falasse com tanta confiança, como se eu fosse uma amiga. Talvez não pudesse falar de outra coisa e nos meses decorridos desde a morte de Deverne esgotara com a sua estupefacção e as suas aflições todos os seus próximos, ou tinha vergonha de insistir no mesmo assunto com eles e aproveitava para desabafar a novidade que eu supunha. Talvez lhe fosse indiferente quem eu era, bastava-lhe ter-me como interlocutor não gasto, com quem podia começar desde o princípio. É outro dos inconvenientes de ser vitimado por uma desgraça: em quem a sofre os efeitos duram muito mais do que dura a paciência dos que se mostram dispostos a ouvi-lo e a acompanhá-lo, a incondicionalidade nunca é muito longa e tinge-se de monotonia. E assim, mais tarde ou mais cedo, a pessoa triste fica só quando ainda não terminou o seu luto ou já não se lhe consente que fale mais daquilo que ainda é o seu único mundo, porque esse mundo de angústia é insuportável e afugenta. Verifica que para os outros qualquer desdita tem uma data de caducidade social, que ninguém está disponível para a contemplação do desgosto, que esse espectáculo só é tolerável durante uma breve temporada, enquanto nele existe ainda comoção e dilaceração e uma certa possibilidade de protagonismo para os que olham e assistem, que se sentem imprescindíveis, salvadores, úteis. Mas ao verificarem que nada muda e que a pessoa afectada não avança nem emerge, os outros sentem-se humilhados e supérfluos, tomam isso quase como uma ofensa e afastam-se: "Então eu não lhe basto? Como é que não sai do poço se me tem a mim a seu lado? Porque é que se empenha na sua dor se já passou algum tempo e eu lhe proporcionei distração e consolo? Se não pode levantar a cabeça, então que se afunde e desapareça." E então o afligido faz isso mesmo, retrai-se, ausenta-se, esconde-se.


Javier Marias - Os enamoramentos

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