sábado, 21 de junho de 2014

# 123



As escadas formam uma curva; são estreitas e inclinadas. É possível tocar nos dois corrimãos com os cotovelos e temos de baixar a cabeça, mesmo que, como George, não tenhamos mais de um metro e sessenta de altura. É uma casa pequena, em que o espaço foi meticulosamente estudado. É frequente George sentir-se protegido pela sua pequenez, aqui quase não há espaço para nos sentirmos sós.
No entanto...
Pensem em duas pessoas vivendo juntas dia após dia, ano após ano, neste espaço exíguo, cozinhando lado a lado no mesmo pequeno fogão, comprimindo-se ao cruzarem-se nas escadas, barbeando-se diante do mesmo espelhinho da casa de banho, acotovelando-se constantemente, empurrando-se, chocando uma com a outra por engano ou de propósito, com sensualidade, com agressividade, com falta de jeito, com impaciência, por raiva ou por amor...Pensem quão profundos, ainda que invisíveis, são os traços que deixam por toda a parte, atrás de si! A porta que dá para a cozinha é demasiado estreita. Duas pessoas à pressa, com pratos de comida na mão, esbarram aqui com a maior facilidade. E é aqui, quase todas as manhãs, que George, ao chegar ao fundo das escadas, tem a sensação de se encontrar, de súbito, numa aresta abrupta, brutalmente interrompida, recortada...Como se o trilho tivesse desaparecido no meio de um desabamento de terras. É aqui que ele pára de repente e se apercebe, com uma doentia sensação de novidade, quase como se fosse pela primeira vez, de que Jim morreu. Morreu.


Cristopher Isherwood - Um Homem Singular

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