sábado, 12 de julho de 2014

# 141



Ravelstein estava disposto a contar-me tudo. Agora, por que razão se preocupava ele em contar-me tais coisas, este judeu enorme de Dayton, Ohio? Ele era seropositivo, e estava a morrer de complicações afins. Enfraquecido, tornara-se o hospedeiro de uma lista interminável de infecções. Ainda assim, insistia em explicar-me uma e outra vez mais o que era o amor - a necessidade, a consciência da imperfeição, a saudade do todo, e como todas as dores de Eros viviam juntas com os prazeres mais extáticos.
Esta é uma ocasião tão boa como qualquer outra para recordar que, pelo meu lado, sentia-me à vontade para confessar a Ravelstein o que não podia contar a mais ninguém, os meus segredos corruptos e vergonhosos, e os encobrimentos que nos desgastam as forças. A maior parte das vezes ele considerava as minhas confissões extremamente engraçadas. E mais engraçados do que tudo, eram os meus assassínios imaginários. Talvez eu lhes desse um toque cómico, sem querer. Seja como for, ele considerava-o hilariantes e dizia:
- Alguma vez leste o Dr. Theodore Reik, o famoso psicanalista boche? Ele dizia que, com um bom assassínio mental por dia, psiquiatra não havia.
Que eu fosse exigente comigo mesmo era no entanto, para Ravelstein, um sinal favorável. O autoconhecimento exige severidade e, se eu estava sempre disposto a entrar no ringue com esse monstro proteico, o eu, então havia para mim esperança. Mas eu gostaria de ir mais longe. A minha impressão era de que não conseguiríamos conhecer-nos inteiramente a menos que encontrássemos um meio de comunicar certos "incomunicáveis" - a nossa metafísica privada.


Saul Bellow - Ravelstein

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