domingo, 26 de setembro de 2021

porquê este desconforto perante um cadáver? (# 498)

 

O número de mortos mencionado todos os dias nos jornais ou exibido nas notícias televisivas varia um pouco conforme as circunstâncias, mas a média anual tende a ser mais ou menos constante, e, como se trata, de um assunto divulgado por tantos meios de comunicação, é quase impossível de ignorar. Esse tipo de morte, no entanto, não parece constituir uma ameaça. Pelo contrário, é algo que queremos é que pagamos alegremente para ver. Se acrescentarmos a enorme quantidade de mortos que a ficção produz, torna-se ainda mais difícil de entender o sistema que mantém os mortos longe do nosso olhar. Se o fenómeno da morte não nos assusta, porquê este desconforto perante um cadáver? Ou isto significa que há dois tipos de morte, ou que há uma contradição entre o nosso conceito de morte e a morte como ela realmente é, o que na verdade se resume ao mesmo: o que importa neste contexto é que o nosso conceito de morte está tão enraizado na nossa consciência que não só ficamos abalados quando verificamos que a realidade se afasta dele, como também tentamos ocultar isso de todas as formas ao nosso alcance. 


Karl Ove Knausgard - A Morte do Pai

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