domingo, 26 de setembro de 2021

levar os nossos mortos para a terra de onde viemos (# 499)

 

o modo como nos desfazemos dos mortos nunca foi objecto de discussão, foi algo que sempre fizemos, com base numa necessidade que ninguém consegue explicar mas que toda a gente conhece: se o teu pai falecer no jardim num ventoso domingo de Outono, vais carregá-lo para dentro de casa; se não for possível, pelo menos vais cobri-lo com uma manta. Mas este impulso não é o único que temos em relação aos mortos. Não menos evidente do que o impulso de ocultarmos os corpos é o facto de os colocarmos ao nível do solo o mais rapidamente possível. É quase inconcebível um hospital que transporte os seus mortos para cima, que coloque as suas salas de autópsia e de cadáveres nos andares mais altos. Os mortos são colocados o mais perto possível do solo. E aplica-se o mesmo princípio a quem cuida deles; uma companhia de seguros pode muito bem ter as suas instalações no oitavo andar, mas não uma funerária. Todas as funerárias funcionam tão perto do nível da rua quanto possível. Não é fácil explicar porque as coisas são assim; poderíamos cair na tentação de acreditar que isso se baseou numa antiga convenção que inicialmente tinha uma finalidade prática, como o facto de a caveser fria e, portanto, mais adequada para conservar os corpos, e que este sistema durou até à nossa época de refrigeradores e câmaras frigoríficas, não fosse a ideia de transportar corpos por edifícios acima antinatural, como se altura e morte fossem mutuamente incompatíveis. Como se tivéssemos algum tipo de instinto ctónico, algo bem dentro de nós que nos instiga a levar os nossos mortos para a terra de onde viemos.


Karl Ove Knausgard - A Morte do Pai 

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