sábado, 7 de agosto de 2010

# 4


É um costume ancestral e venerado do meu povo começar a contar uma história dirigindo uma prece a um Poder Divino.
Calculo, Vossa Excelência, que também seria boa ideia se eu começasse por lamber o cu de um deus qualquer.
Mas o cu de que deus, pergunto-me eu? O sortido é tão variado.
Sabe, os muçulmanos têm um único deus.
Os cristãos têm três deuses.
E nós, os hindus, temos 36 000 000 de deuses.
O que perfaz um total de 36 000 004 cus divinos por onde eu escolher.
Bem sei que há pessoas, e não me estou a referir apenas a comunistas como o senhor, mas a pensadores de todos os partidos políticos, que julgam que a maioria desses deuses não existe deveras. Há até alguns que estão convencidos de que nenhum deles existe. Só existimos nós e um oceano de escuridão à nossa volta. Mas eu, que estou longe de ser filósofo ou poeta, como poderei saber a verdade? É um facto que estes deuses, apesar de pouco ou nada fazerem - muito à semelhança dos nossos políticos - todos os anos são reeleitos para os tronos dourados do céu. Não quero com isto dizer que eu não os respeite! Nunca permita que esta ideia blasfema se inculque no seu espírito amarelo. O meu país é do género em que fazer jogo duplo compensa: o empresário indiano tem de ser em simultâneo honesto e trapaceiro, trocista e ingénuo, matreiro e sincero.
Assim, estou a fechar os olhos, a juntar as palmas das mãos num namasté reverente e a rezar aos deuses para que iluminem a minha história obscura.
Seja paciente comigo, Sr. Jibao. Isto é bem capaz de levar algum tempo.
Quanto tempo acha o senhor que levaria a lamber 36 000 004 cus?


Aravind Adiga
- O Tigre Branco

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